domingo, 27 de novembro de 2011

Já é Natal!

Vem chegando dezembro!  As casas enfeitadinhas, as guirlandas nas portas, os papais-noéis dançantes, o espírito de amor ao próximo e... as caixinhas de Natal!

E se tem uma coisa nesse mundo que eu não compreendo são as tais das caixinhas de Natal. 

Pessoas de todos os estabelecimentos enrolam uma caixa de sapato com papel de presente, escrevem o nome “caixinha de Natal” e esperam ganhar dinheiro com isso.

Chego no caixa da farmácia:

- Quer deixar o troco para contribuir com a nossa caixinha de Natal?
- Oi?
- A nossa caixinha de Natal (e aponta pra caixinha enfeitada). Quer contribuir?
- Porquê?
- É pra nossa confraternização de Natal.
- Não, obrigada.

Minha vontade era de fazer apenas quatro perguntas:

- Vocês não recebem salário?

- Porque eu deixaria o troco do meu remédio pra você se divertir com os seus amigos (que aliás eu nem conheço) no final do ano?

- Vocês passam fome?

- Você quer contribuir com o meu vestido do final do ano? Eu ainda não comprei.

Não é que eu seja intolerante (rs), mas é que a gente contribui com quem precisa, né? Com quem não tem condições de ter uma mínima ceia na noite de Natal, não com a cana de final de ano do pessoal da farmácia, da livraria, da lanchonete...

Tanta gente ganha pouco... Mas o fato de ganhar um salário mínimo não lhe dá o direito de sair por aí pedindo dinheiro a toda pessoa que entra na sua loja. Tenha compostura!

Ps: Embalei uma caixinha linda e coloquei na calçada da minha casa: “Sou professora, ganho pouco, quero comprar um vestido de Natal caro e você tem tudo a ver com isso. Contribua com a minha caixinha de Natal! Obrigada!”

Mari Lima


domingo, 13 de novembro de 2011

“Cantigas de ninar” ou “Cantigas que Júlia não ouvirá”

Vou ganhar uma sobrinha! (pausa para os fogos de artifício)

E por se tratar de uma família sem crianças, todos enlouquecem a espera de Júlia.

Hoje, por acaso, estávamos conversando sobre cantigas de criança. E muito me impressiona saber que as pessoas que estavam por trás das letras dessas canções não estão presas.

Analisemos:

“Samba-lelê tá doente, tá com a cabeça quebrada, samba-lelê precisava é de uma boa palmada! Samba, samba, samba, ô lelê! Quebra, quebra, quebra, ô lalá!”

Choquei. Do que se trata essa música, gente? A pessoa nasce e a mãe a registra com o nome de Samba-lelê.

Samba-lelê, que nem nome de gente tem, quebra a cabeça! E o que fazem com ela? Levam para o hospital? Não! Dão uma palmada! Afinal de contas, é isso que as pessoas com a cabeça quebrada merecem. E como se não bastasse... Mandam a Samba-lelê sambar! A coitada que já estava com cabeça quebrada e já tinha apanhado, agora tem que sambar!

Vejamos outra:

“O cravo brigou com a rosa, debaixo de uma sacada, o cravo saiu ferido e a rosa despedaçada. O cravo ficou doente, a rosa foi visitar, o cravo teve um desmaio e a rosa pôs-se a chorar.”

E a lei Maria da penha? O cravo saiu apenas ferido, mas a rosa saiu despedaçada!

E no lugar de a rosa ir pra delegacia da mulher denunciar que o cravo bateu nela, ela vai visitar o cravo no hospital! E o cravo, que não é besta nem nada, simula um desmaio, e a idiota da rosa ainda se põe a chorar!

E a do soldadinho?!

“Marcha soldado, cabeça de papel. Quem não marchar direito, vai preso pro quartel. O quartel pego fogo, a policia deu sinal. Acode,acode,acode a bandeira nacional.”

Oi? Os soldadinhos estão marchando na maior pressão, com medo de marchar errado e ficarem presos no quartel... Aí o quartel pega fogo e a polícia dá o sinal!

O sinal para os bombeiros irem salvar os soldados? Claro que não! Para salvarem a bandeira nacional! Os soldados que morram!

Fora que os soldadinhos não tinham um chapéu decente, eram todos de papel! Eu fico imaginando o desespero dos soldadinhos com as cabeças pegando fogo, enquanto os bombeiros salvavam a bandeira, que é de pano.

E como eu poderia deixar de fora a mais clássica de todas?

“Atirei o pau no gato-to, mas o gato-to não morreu-reu-reu. Dona Chica-ca admirou-se-se, com o berro, com o berro que o gato deu! Miau!”

A criança sádica atira o pau no gato esperando que ele morra. Ele não morre. E a Dona Chica, essa velha inútil, no lugar de educar a criança, fica apenas admirada com o berro que o gato deu!

Além de inútil é burra, né? Queria o quê? Que o gato levasse uma paulada e fosse ronronar na perna dela? Morte lenta à Dona Chica!

Bom, depois de ouvir todas essas músicas assustadoras durante o dia, que tal uma pra dormir?

“Nana, neném, que a Cuca vem pegar, papai tá na roça e mamãe foi trabalhar”

Primeiro ela desmerece totalmente o trabalho do pai da criança, que não foi trabalhar, foi apenas passar um tempo na roça. E depois, quem vai dormir sabendo que a cuca vem pegar? Se a cuca vem pegar e papai e mamãe não estão em casa para me defender, como eu vou conseguir dormir?!

São músicas cruéis e assustadoras até para adultos, imagine então para as crianças!

Júlia definitivamente não escutará essas músicas.

Pior que isso, só Xuxa e Patatí Patatá! 
                                                                                          
Mari Lima
                                                                                                      Segue aí! @marinlima

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Devaneio Relâmpago - Escravatura

 - Professora, mas porque os homens maltratavam os escravos? Só porque eles eram negros? Mas ainda tem escravos?

- A escravatura não. Mas as pessoas que se sentem melhores que outras, pelo fato de serem brancas, sim.

- Então as pessoas ainda são doidas?

 – Exatamente. Algumas são louquinhas! E mereciam ser amarelas de tão podres que são!

As crianças são tão mais inteligentes.  Voto por um mundo sem adultos!

Mari Lima

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

As meninas e a matemática

Li uma pesquisa que falava sobre como as escolas desestimulam as meninas em relação ao aprendizado da matemática.  

Isso é possível? Sim, é possível.

A pesquisa entrevistava professores de matemática e perguntava a eles sobre o rendimento de meninos e meninas diante da temida disciplina.

A resposta de todos era quase sempre a mesma para todas as perguntas.                       

- Porque fulano tira notas boas em matemática?
- Ah, porque fulano é muito inteligente.

- Porque fulana tira notas boas em matemática?
- Ah, porque fulana é muito esforçada.

- Porque fulano tira notas ruins em matemática?
- Ah, porque fulano é muito preguiçoso.

- Porque fulana tira notas ruins em matemática?
- Ah, tadinha. Ela tem muita dificuldade.

Acreditem! É assim mesmo. Os meninos só não aprendem quando não querem (são preguiçosos), já as meninas, quando aprendem, não são vistas como inteligentes, mas sim como esforçadas.

Aliás, alguém pode retirar do Aurélio essa palavra? “Esforçada” é a pior palavra de todos os tempos. Ela quer dizer, simplesmente, que você é burra, mas tenta tanto que até que consegue. Pobre menina! “Esforçada” não é elogio pra ninguém - é insulto.

E assim vai caminhando a escola: meninos são ruins em português (e tudo bem escrever tudo errado, normal) e meninas não sabem fazer uma regra de três simples. Os cursos de engenharia não estão cheios de homens à toa – eles sabem, desde pequenininhos, que podem aprender matemática, enquanto que as meninas internalizam uma deficiência (inexistente) para o cálculo.

Os meninos, quando crescem e começam a namorar, escrevem um cartão para a namorada. E o que acontece? Decepção. A famosa “decepção-ortográfico-amorosa”. A menina fica chocada com tantos erros de português, já que ela, desde pequenininha, foi cobrada pelos professores e pelos pais a escrever bonitinho, afinal, ela é menina. E meninas são boas em português!

Agora, por gentileza, alguém poderia me dizer quem inventou essa baboseira? Porque eu não consigo compreender a razão disso.

Tanto meninos quanto meninas podem ser bons naquilo que eles desejarem ser. Não saber português porque sabe matemática é como não poder gostar de pêra porque gosta de maça. E vice-versa.

Podemos ser bons em tudo: português, matemática, história, geografia, inglês, física, química... Tudo junto e misturado (como já dizia o filósofo Latino da festa no apê)!

Por isso, meninos: tratem de fazer um curso de português. Ninguém merece um cartão, e-mail, seja lá o que for, cheio de erros de português.

Meninas: tratem de fazer um curso de matemática. Ninguém merece não saber dividir a conta do jantar por quatro e somar com os 10% (malditos 10% que sempre confundem).

Eu penso que se tivesse nascido há 5 anos, com a pedagogia mais desenvolvida e moderna, teria me dado bem com a matemática.

Nós duas poderíamos até sermos boas amigas.

Mari Lima

Ps: Menina-revoltada-que-sabe-matemática, não queira me matar. O mundo é cheio de exceções, apenas generalizamos quando escrevemos.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Vergonha de tudo

Sentir vergonha de tudo é mais que uma característica estranha, é um estilo de vida.

E as pessoas que, como eu, sentem vergonha de tudo perdem muitas oportunidades na vida e, ainda pior, perdem dinheiro.

Por isso, aprenda a reconhecer uma pessoa envergonhada ou saber se você é uma delas.

1- Pessoa que sente vergonha de tudo numa loja de sapatos:

- Oi, posso ajudar?
(Ela não pode, porque a pessoa só foi dar uma olhada nas novidades mesmo)

- É... pode. Tô procurando um sapato azul com vermelho, nem tão alto e nem tão baixo, com detalhes dourados e que combine com tudo. (já pra ela desistir de ajudar)

- Olha, desse jeito eu não vou ter. Mas vou trazer alguns que talvez você goste.

(E ela sobe e desce aquela escadinha apertada e perigosa umas cinquenta vezes)

- E aí? Gostou de algum?

(Você não gostou de nada)

- É... vou levar esse aqui mesmo.

- R$500,00! À vista ou no cartão?

A pessoa que sente vergonha de tudo é assim: ela compra um sapato caro que não gostou só porque ficou com vergonha de dizer pra mocinha da loja (que trabalhou tanto) que não gostou de nenhum.

2- Pessoa que sente vergonha de tudo na banca de revistas:

- Oi, bom dia. A revista tal, por favor.

- R$5,50.

(A pessoa dá R$20,00, recebe R$12,50 de troco e deixa por isso mesmo)

- Você não vai lá pedir o resto do seu troco?

- É que eu não olhei na hora, vai que o moço pensa que eu tô querendo enganá-lo...

A pessoa que sente vergonha de tudo é assim: ela recebe o troco errado e tem vergonha de dizer. Às vezes, faz pior! Ela nem confere o troco, que é pra não correr o risco de estar errado e ela ter de reclamar com o mocinho da banca.

3 - Pessoa que sente vergonha de tudo na hora de pedir comida:

- Mãe, liga pra pedir uma pizza...

- Pai, liga pra pedir uma pizza...

- Alguém, por favor, liga pra pedir uma pizza!!

- Liga você! Você que quer pizza!

- É que eu tenho vergonha...

A pessoa que sente vergonha de tudo é assim: ela passa fome, mas não liga pra pizzaria.

4 - A pessoa que sente vergonha de tudo na manicure:

- Ih... Eu tô sem troco pra lhe dar...

- Não tem problema, você deixa de crédito para a próxima vez.

- Tá certo. Mas me lembre, hein?

(Chega a próxima vez e a pessoa não fala do crédito para a manicure)

A pessoa que sente vergonha de tudo é assim: ela jamais cobra dinheiro à outra. Ela morre de vergonha de fazer isso!

5 - A pessoa que sente vergonha de tudo quando encontra um semi-conhecido:

- Aquela pessoa não é a amiga de fulaninho que saiu com a gente ontem?

- É.

- Vamos lá falar com ela...?

- Não! (momento tenso) Ela nem deve lembrar da gente...

- Claro que lembra! A gente saiu com ela ontem à noite!

- Ai... é que eu tenho vergonha...

A pessoa que sente vergonha de tudo é assim: ela passa por antipática porque não fala com as pessoas. Não porque ela não lembre ou não goste da pessoa, mas porque ela morre de vergonha.

Aliás, sentir vergonha de tudo é muito confundido com antipatia, mas, na verdade, é apenas um jeito envergonhado e mal-entendido de ser.

Você também é assim super envergonhado e vive ouvindo das pessoas que você precisa dar um jeito nisso?!

É! E precisa mesmo! Isso não é normal.

Vamos nos tratar!

 Mari Lima

terça-feira, 13 de setembro de 2011

"A menina de areia das madeixas de folhas"

            Certa vez, uma criança sem muitos amigos, desenhou, na areia de seu quintal, uma boneca. Ela fez os olhos, o nariz, o corpo e, delicadamente, como quem quisesse traçar um sonho, desenhou, com a pontinha de seu dedo indicador, um sorriso. Notou, no entanto, que a bonequinha, recém riscada na areia, parecia ainda não sorrir. A criança, então, perguntou:
— Menina de areia, o que lhe falta? Não quer ser minha amiga?
Distanciou-se um minuto e voltou com as mãozinhas cheias de folhas secas, aquelas que ainda não haviam sido varridas por sua tia.
— Pronto, aqui está! Agora você é uma menina de areia das madeixas de folhas! — disse a criança, sentindo que, pela primeira vez, a bonequinha parecia sorrir.
Com ela, a criança dividia todos os seus sonhos e segredos. E a menina de areia das madeixas de folhas, antes feita de simples riscos, tornou-se vida!
Juntas, elas conversavam sobre tudo, principalmente sobre o que existia além dos muros daquele quintal, o mundo de fantasias que até mesmo a criança só poderia imaginar. Sua tia não a deixava ir muito longe. Assim, a criança só conhecia o que ela podia ver através de sua janela no segundo andar. Havia dias em que ela passava horas e horas apenas observando o balanço das árvores. Amava a natureza e nunca se cansava de contar a sua amiga de areia, tudo o que sabia sobre ela.
            Houve um dia, porém, em que a criança mudou-se com sua tia para outro bosque bem distante do que viviam, e a Menina de Areia das Madeixas de Folhas perdeu, assim, a sua única amiga.
Desde então, passou a se sentir muito sozinha. Até que numa tarde...
— Ei! Cuidado com os meus cabelos, eles são frágeis! E, além do mais, me foram dados por uma grande amiga — disse a menina de areia ao Bem-te-vi desastrado que resolveu pousar justo em cima de suas madeixas de folhas.
— Uma menina de areia falando? Cruz-credo! — espantou-se o Bem-te-vi.
Depois do susto, os dois viraram bons amigos.
Horas mais tarde, depois de boas risadas e brincadeiras, a Menina de Areia das Madeixas de Folhas, intrigada e curiosa, perguntou:
— Bem-te-vi amigo, você nunca teve vontade de ser outra coisa?
— Outra coisa? — repetiu ele.
— A natureza é feita de tantas coisas, não lhe agradaria ser uma coisa diferente de Bem-te-vi?
— Gosto de minha barriga amarela e de cantar ao amanhecer. Por quê? Não lhe agrada ser uma menina de areia?
— Antes até gostava. Agora me sinto sozinha, presa neste quintal. Queria poder olhar as coisas mais de perto, sentir o vento no rosto, ter uma porção de amigas pra conversar...
— Acho que posso lhe ajudar — disse, prestativo, o Bem-te-vi amigo.
— Sério?! Como?! 
— Aqui no bosque vive uma jovem feiticeira, daquelas que transformam tudo em todos e todos em tudo — explicou ele, animado em poder ajudar.
E foi então que o Bem-te-vi amigo trouxe a jovem feiticeira ao encontro da Menina de Areia das Madeixas de Folhas...
— Mas porque desejas transformar-se numa árvore? — perguntou, curiosa, a jovem feiticeira.
— Porque elas abraçam o mundo com seus galhos, oferecem sombra a quem precisa e, muitas vezes, podem até dar saborosos frutos — respondeu, em tom esplêndido, a Menina de Areia das Madeixas de Folhas.
— Dizem por aí que ser árvore é muito bom, mas também é perigoso. Há pessoas que as derrubam e até as queimam. Sabias disso? — perguntou a jovem feiticeira.
Não, a Menina de Areia das Madeixas de Folhas não conhecia a maldade. E, antes mesmo que ela pudesse responder a jovem feiticeira...  
— Mas, se assim desejas; que assim seja feito! Desta areia faço galhos e tronco, e destes cabelos faço folhas verdes e saborosos frutos...
TXUUMM – CABLUMM!
E assim foi feito o encanto.
A Menina de Areia das Madeixas de Folhas logo rompeu com o silêncio do bosque:
— Uau! Sinto-me uma gigante vendo as coisas daqui de cima. Olha lá a minha antiga casa, Bem-te-vi amigo! Veja como está distante! Veja! Sou grande! Sou natureza!
— Ufa! Sinto-me aliviado em saber que você está contente. Por um momento, pensei que você pudesse se arrepender — disse o Bem-te-vi amigo, ainda com os dedos cruzados e um dos olhos fechado.
— Arrepender-me? Bem-te-vi amigo, minha folhas eram secas, agora são verdes, eu não podia sair da areia de um quintal, agora posso ver todo o céu bem de pertinho — explicou ela, satisfeita.
Alguns dias se passaram e ser natureza era bom, mas a Menina de Areia das Madeixas de Folhas, que agora era árvore, se chateava bastante quando demorava a chover e suas belas folhas ficavam sequinhas, sequinhas; mas, ela se chateava mesmo, pra valer, era quando puxavam seus galhos, suas folhas e seus frutos, ainda imaturos, por pura maldade. Maldade essa que a Menina de Areia das Madeixas de Folhas, que agora era árvore, ainda não havia conhecido. Foi então que ela pensou:
— Tem tantas belezas na natureza... É de tantas maravilhas esse mundo... Para ser natureza, eu não preciso, necessariamente, ser uma árvore. Quero mesmo é ser um pássaro! Eles, sim, são livres e ainda podem ver, lá de cima, todas as coisas lindas desse mundo.
Parou e se voltou para o Bem-te-vi amigo.
— Você teve muita sorte de ter nascido com asas.
— Não tenho do que me queixar. Mas cuidado! Nem tudo é exatamente como parece — disse, preocupado, o Bem-te-vi amigo.
A Menina de Areia das Madeixas de Folhas, que agora era árvore, não deu muita atenção ao que o Bem-te-vi amigo havia falado e pediu para que ele trouxesse, novamente, a jovem feiticeira ao seu encontro.
— Agora me pedes para ser um pássaro? — surpreendeu-se a jovem feiticeira. E continuou: — Não tenho tanta certeza de que serás feliz sendo algo que não és; mas, se assim desejas, que assim seja feito! Destes galhos faço asas, destas folhas faço penas e deste tronco faço um forte bico... TXUUMM – CABLUMM!
E a Menina de Areia das Madeixas de Folhas, que era árvore e agora é um pássaro, saiu voando forte e veloz, dizendo, para quem quisesse ouvir que, agora, além de ser natureza, ela era também muito livre; mas, ela falou alto, tão alto, que chamou muita à atenção e foi feita prisioneira numa pequena gaiola. Mas que triste! Ela agora era uma natureza sem liberdade.
O menino, que a colocou na gaiola, sabia que devia dar-lhe comida todos os dias, fazia carinho em sua cabeça e parecia gostar muito dela; mas, sabe do que ele não sabia? Que pássaros presos em gaiolas deixam de ser natureza. Pássaros presos em gaiolas não vivem felizes e só não choram porque pássaros não podem chorar.
Enquanto isso, a Menina de Areia das Madeixas de Folhas, que era árvore e agora é pássaro, gritava:
— Bem-te-vi amigo! Bem-te-vi amigo!
O Bem-te-vi amigo não tardou a responder:
— Teimosa! É isso que você é, uma teimosa! Você não nasceu com a agilidade dos pássaros! Alertei-lhe tanto para o perigo!
— Não foi minha intenção, Bem-te-vi amigo. Mas vá, procure a jovem feiticeira. Não posso viver nesta gaiola para sempre — disse ela, aflita.
Algumas horas depois...
— Nem me diga! Já sei! Agora queres ser um arco-íris com um pote de ouro no final! Adivinhei? — ironizou a jovem feiticeira.
— Não, jovem feiticeira, você não adivinhou! — respondeu ela, sem conter uma apressada gargalhada. E logo disse: — Na verdade eu quero ser uma coisa um pouco mais simples. Algo como... Uma formiga!
— Hum! Mais fácil do que eu poderia imaginar. Mas porque uma formiga?
— Ah jovem feiticeira, elas são tão amigas. Dividem as tarefas e têm sempre uma casinha só delas. Só assim para eu continuar sendo natureza.
— Se assim desejas, que assim seja feito — disse a jovem feiticeira, puxando a sua varinha. — Destas asas faço patas, destas penas faço antenas e deste forte bico, um lar tranqüilo e feliz... TXUUMM – CABLUMM!
E dentro do seu novo lar...
— Olá meninas! Grande essa casa, não? Onde eu durmo? Posso colocar minhas coisas aqui? Quente o dia de hoje, hein? — perguntava a Menina de Areia das Madeixas de Folhas, que era árvore, depois virou pássaro e agora é formiga, tentando se enturmar. E, cansada de não ouvir respostas, falou baixinho: — Ih! Que formigas mal-humoradas! Vou dar uma volta que é o melhor que eu faço.
Saiu desbravando a terra ao seu redor, contente com as mais diversas descobertas.
— Nossa! Como as coisas são grandes quando vistas daqui. As árvores parecem enormes castelos de folhas... E os pássaros, então, parecem aviões quando voam baixinho, baixinho...
Até que de repente...
— Ops! Fechou o tempo? Será que vai chover?
SPLOT!
— Ai! Ui! Ai! Ui! Mas que menino malvado! Aposto que pisou em mim de propósito — disse ela, toda dolorida. E, injuriada, começou um sermão: — Olha aqui grandalhão, só porque sou menor que você, não significa que pode sair por aí passando por cima de mim! Ouviu bem? Parece até que não olha por onde anda!
E, depois do triste episódio, a Menina de Areia das Madeixas de Folhas, que era árvore, depois virou pássaro e agora é formiga, decidiu:
— Nunca mais quero ser formiga! Vou até a torre da jovem feiticeira. Ela há de me transformar em outra natureza.
E foram dias e dias de uma longa viagem até que ela chegasse à torre da jovem feiticeira.
— Ah não! Menina de Areia das Madeixas de Folhas, que era árvore, depois virou pássaro e agora é formiga, sua cota de feitiços se esgotou! Já chega! — disse a jovem feiticeira em tom de ocupada.
— Mas jovem feiticeira... Pisaram em mim, quebraram minha patinha e, ainda por cima, as outras formigas me deixam falando sozinha no formigueiro...
— Mas é claro, devem saber da tua fama de vira-tudo-todo-dia — concluiu.
— Jovem feiticeira, eu juro, pela minha patinha quebrada, que essa vai ser a última vez — implorou.
A jovem feiticeira, novamente em tom de ironia, perguntou:
— Sei! E eu te transformo no quê? Numa girafa pintada de zebra?
— Ha! Ha! Ha! Ha! Deve ser muito engraçado uma girafa pintada de zebra; mas, na verdade mesmo, eu gostaria de ser transformada em um lago... Daqueles bem brilhantes, para poder servir de abrigo aos peixes e não poder ser pisoteada por ninguém. E dessa vez é certeza — disse convicta.
— Espero que sim, pois tenho outros encantos a serem feitos, e tu acabas por tomar todo o meu tempo; mas, se assim desejas, que assim seja feito — disse a jovem feiticeira mais uma vez. E assim realizou o feitiço. — Destas patas faço água e... É... É... É isso! Apenas água! É somente disso que os bonitos lagos são feitos mesmo... TXUUMM – CABLUMM!
Imediatamente, caíram do céu lindos peixinhos de todas as cores, belezas e tamanhos. E, como se tivesse, enfim, acertado o pedido, a Menina de Areia das Madeixas de Folhas, que era árvore, depois virou pássaro, mais tarde formiga e agora é lago, borbulhou de alegria:
— Ah, como é bom ser lago! Como é bom ser natureza!
E os dias se mostraram tranquilos e felizes; mas, como sempre havia quem a incomodasse, ela logo começou a reclamar:
— Ei! Não! Você não deve jogar biscoitos em mim, não é disso que os peixinhos se alimentam. Ei! Você não está me ouvindo? Já disse, não é disso que os peixinhos se alimentam! Não me sujem, por favor, sou tão saudável e brilhante. Não me machuquem. As outras naturezas precisam de mim...
E foi assim que a Menina de Areia das Madeixas de Folhas, que era árvore, depois virou pássaro, mais tarde formiga e agora é um lago, decidiu conversar com a jovem feiticeira para resolver, de uma vez por todas, esse tal problema de ser natureza.
Mas, antes mesmo que qualquer pedido fosse feito, a jovem feiticeira falou:
— Não, eu não vou te transformar em mais nada. Já cansei destas tuas esquisitices!
— Mas jovem feiticeira... Não desejo mais ser transformada — murmurou baixinho.
Falou sem pensar e voltou atrás.
— Aliás, desejo sim! Desejo ser a menina de areia das madeixas de folhas que sempre fui.
— Mas... Responda-me! Essa confusão toda não era porque tu querias porque querias ser natureza?
— Pois é, jovem feiticeira, mas sendo árvore, pássaro, formiga e lago, eu acabei percebendo que não preciso ser nenhuma dessas coisas para ser natureza. Ser natureza está no respeito a ela e nas nossas boas atitudes que a tornam cada vez mais rica e bela. Ser natureza, jovem feiticeira, não está na nossa forma de ser, mas na nossa forma de agir. Por isso, quero ser a menina de areia das madeixas de folhas que sempre fui, e, ainda assim, ser natureza!
— Que bonito, Menina de Areia das Madeixas de Folhas, que era árvore, depois virou pássaro, mais tarde formiga e agora é um lago! Confesso que estou surpresa com o teu pedido. E quer saber? Faço questão de atendê-lo...
Satisfeita, a jovem feiticeira fez o seu último feitiço para a Menina de Areia das Madeixas de Folhas...
— Desta água faço uma menina de areia e... Hã... Desta mesma e única água faço também lindas madeixas de folhas...
TXUUMM – CABLUMM!
— Como é bom ser uma menina de areia das madeixas de folhas novamente! Obrigada, jovem feiticeira! Você não imagina o quanto estou feliz!
— Mas sabe o que é uma pena, jovem feiticeira? — perguntou pensativa.
           — Que nem todo mundo perceba o quanto é importante ser natureza.

Mari Lima